Tuesday, February 15, 2005

1. Portugal doente, porquê?

Propositadamente ou não, os recentes acontecimentos da dissolução da Assembleia República e do pedido de demissão do XVI Governo Nacional, vieram dar razão, na tela da dura e crua vida real, ao que escrevi aqui no meu último artigo. As coisas que quisera dizer e que não disse, à superfície mas que ficaram indelevelmente registadas nas entrelinhas, foram cruelmente justificadas com a verdade dos factos. Algo tinha que levar um abanão, mas continua qualquer coisa neste país a ter que ser resolvida e que o tempo mantém permanentemente adiada.

Barata-feio, no seu habitual Sinais do Tempo que insere na revista Grande Reportagem, que é separata aos sábados do Diário de Notícias e do Açoriano Oriental, assina um artigo que titula: A miséria foi-se embora, recortando em pinceladas grossas um retrato dos Governos de Durão Barroso e de Pedro Santana Lopes. Habitualmente não escrevo sobre temas de política e muito menos da governação. Afloro aqui esta problemática, porque tentei demonstrar que este país lindo de morrer está doente. Sofre duma doença que, tardando em tratar, vai minando profundamente os seus alicerces e estruturas. Contrariamente ao que José Manuel Barata-Feio escreve neste artigo, eu penso que a "miséria não se foi embora". Como também estou profundamente céptico que as próximas eleições de 20 de Fevereiro tragam soluções novas, qual coelho tirado da cartola, para os inúmeros problemas com que todos nos confrontamos. Não sei se é utopia da minha parte dizer isto, - porque logo alguém contrapõe que na Alemanha, no Canadá, nos Estados Unidos e em outros tantos países modernos e evoluídos é assim também -, mas estou sinceramente convicto que enquanto persistirem as clientelas políticas, próximas ou alimentadas pelo partido ou partidos que estão no poder, este país tarde ou nunca se endireita. A miséria não se foi embora, ela está e continuará a estar, pois que assenta numa grave crise de valores.

Portugal está doente, porquê e como? Um elenco de situações que, duma forma simples, a seguir apresento, demonstra-o à saciedade.
Portugal é um pequeno país, pobre, emparedado dum lado pela Espanha que lhe controla os caminhos por terra para a Europa, nesta Comunidade de portas abertas. Do outro, ergue-se um imenso oceano, que lhe impregnou na alma e no sentimento uma acentuada vocação marítima: "País de marinheiros, num cantinho da Europa à beira mar plantado". A retoma económica, porque é uma nação de parcos recursos e, portanto, fortemente dependente de outros e do exterior, tarda em chegar, porque, tal como as crises, é também importada.
Mas, quando começo a descer, seguindo de Lisboa para o Sul e entro na Espanha, fico, ao longo de muitos quilómetros percorridos em direcção a Sevilha ou à costa que vai de Málaga a Cádis, com a sensação de que Portugal é grande e que a Espanha é que é pequena. Enquanto a imensidão da paisagem espanhola é cortada por campos impecavelmente tratados e regados, cheios de pomares, árvores de fruta, hortas, searas de trigo, campos de milho e outros cereais, terrenos de girassol a perder de vista, o nosso Alentejo e Algarve é terra de sobreiros, carvalhos, oliveiras, figueiras e alfarrobeiras, que nascem quase espontaneamente, com imensas zonas desprezadas e sem culturas, terras de mato e serra, salpicadas a espaços por lindas searas de verde trigo (ou de restolho amarelo no estio) ou alguns arrozais, que vão sendo cada vez em menor quantidade. A dependência agrícola é uma das nossas grandes fatalidades. As nossas grandes e pequenas superfícies comerciais estão cheias de produtos estrangeiros. Outrora as nossas frutas e os nossos produtos verdes enchiam os nossos mercados e praças. Numa recente viagem que fiz à Alemanha, e noutra à Itália, encontrei a mesma realidade. A mesma realidade nos Estados Unidos e Canada. Milhares e milhares de quilómetros tratados, regados, verdes e férteis. Em terras da estranja, nós, "portugas", trabalhamos desalmadamente e atingimos padrões de produtividade elevada. Cá dentro, andamos de costas ao alto, somos donos de índices de produtividade dos mais baixos de toda a Europa, trabalhamos cada vez menos e reivindicamos cada vez mais, a corrupção, a pobreza, as barracas, os sem abrigo e os desempregados crescem todos os dias, continuamos a olhar para o nosso próprio umbigo e atacamos os nossos mais sagrados valores. Os roubos, a pornografia, as toxicodependências, os crimes violentos e assaltos, o abuso sexual de menores, a violência doméstica, a escravatura sexual, o abuso de sedativos e as doenças depressivas e do foro psíquico, estão instaladas na nossa sociedade. A degradação do ensino e da justiça e o desinvestimento na cultura são outros tantos poderosos indicadores de que a miséria “não se foi embora” deste país, mas antes persiste em continuar.

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Os casos Casa Pia, Apito Dourado, ataques às Casas do Gaiato e outras instituições de solidariedade, os casos de corrupção que irrompem daqui e dali, são manifestações de que a nossa sociedade anda doente e tarda em recuperar. Vive-se num tempo de boatos e de denúncias, de invejas e de intrigas, Quem quer fazer mal a outrem, ou porque não gosta dele ou não vai muito com a sua cara, facilmente o atira na lama, o leva à detenção, à prisão e à barra dos tribunais. Tudo tão fácil: - basta apresentar uma denúncia, inventar uma situação e arranjar testemunhas. Num ápice, a vida duma pessoa, mesmo a familiar e íntima, é enxovalhada e posta na praça pública. O denunciado é dado como arguido e, sendo exponencialmente aumentada a queixa pelos órgãos da comunicação social, falada e escrita, o arguido, mesmo sem ter sido julgado, passa a figura detestada pela sociedade, a monstro ou a inimigo público, e a ser olhado por todos como culpado ou potencial culpado. Assim vão os tempos: - a memória dos homens tornou-se curta. Os valores de ontem são postos em causa. Instituições sólidas de formação de homens são atacadas hoje nos seus alicerces e pedagogia, sem razões fundamentadas. Tudo se critica e ataca, em nome da democracia parece que tudo vale. Não há fronteiras para os desmandos e para a falta de contenção e de ponderação.

A cura da doença e o tornear dos caminhos infindáveis de miséria que ensombram o nosso país, passam por aqui. Os políticos e os governantes que sucederem aos que agora saem têm de pisar estes caminhos, fazerem caminhada de regresso aos valores que tornaram Portugal forte e, retomando os trilhos, partirem definitivamente para um caminho de modernização e desenvolvimento. Portugal, integrado no amplo espaço da União Europeia, tem boas condições para ser um país forte, desenvolvido e moderno, mas nunca o poderá fazer destruindo ou abdicando da sua própria identidade e matriz cultural.

Por isso, contra vozes que por aí se levantam, como que querendo arranjar remédio para este estado de coisas, defendem o iberismo ou, o que é dizer, a integração de Portugal na Espanha. Defendem que, se não tivéssemos ganho a batalha de Aljubarrota ou não tivessem havido uns malucos que fizeram a Restauração, hoje éramos todos espanhóis, fazíamos parte dum país grande e evoluído e vivíamos todos contentes e felizes.

Ao contrário disto, eu defendo que, neste mundo aberto e de gloco/globalização, ninguém dá nada a ninguém sem pedir muito em troca ou como contrapartida. A “terra de leite e mal” que viria da Espanha, que os arautos da desgraça e de causas perdidas defendem, não nos traria nada de bom, a não ser a perda da nossa própria identidade. Todavia, a batalha que hoje Portugal trava ou é obrigado a travar, pode ser muito bem pior e de contornos mais indefinidos e sinuosos que a que vencemos em Aljubarrota no longínquo ano de 1385.


2. Quadra Festiva natalícia

A coisa duns 15 dias de distância, estaremos no Natal, atravessando por dentro a Quadra Festiva até ao Ano Novo e Epifania dos Reis. Daqui deste cantinho e duma forma humilde e despretensiosa, quero endereçar os meus mais sinceros votos duma Santa Quadra, Alegre e Feliz, a toda a equipa que faz e alimenta este jornal, assim como a todos os seus leitores e assinantes.



Natal de 2004.



José Rogério da Apresentação
Ponta Delgada, 10.12.2004

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