Monday, February 14, 2005

Nuno Barata Almeida e Sousa - Generalidades dum Especialista

Nuno Barata Almeida e Sousa ex-deputado à Assembleia Legislativa Regional e actual cabeça de lista pelo CDS-PP às eleições legislativas nacionais é um homem que defende as suas ideias com unhas e dentes. Armador de pesca, tem uma visão desassombrada tanto sobre as questões relacionadas com a sua actividade profissional como em relação a tantas outras coisas. Talvez por isso se considere um "especialista em generalidades" como ele próprio se define no seu blog, o Fogotabraze, o mais antigo e um dos mais visitados da blogosfera açoriana.

O que é que te fez impelir para a política?

A vontade de participar na coisa pública, naquilo que nos rodeia, nas decisões, no bem ou no mal que está à nossa volta, nasce um pouco connosco. O clima familiar que nos vai incutindo essa atitude mais activa perante a sociedade. E também com algum sentido de dever cívico. Em 1995 respondi pela primeira vez positiva e afirmativamente a um convite que me foi endereçado por um partido para me candidatar como independente à Assembleia Municipal de Ponta Delgada, fi-lo não com muita vontade mas com um sentido de que tinha obrigação de fazer aquilo. Eu era naquela altura uma pessoa totalmente descomprometida com qualquer poder e tinha a minha vida perfeitamente organizada , não dependia da decisão dum qualquer director de serviços ou director regional para poder almoçar ou jantar, senti-me na obrigação por ter essa liberdade de cumprir também essa função na política, depois foi uma dependência, experimentamos aquilo uma vez e depois não queremos deixar de fazer política. Funciono sempre com o sentido de prestar um serviço à sociedade.

Depois de tantos anos a fazer política não te desviaste nem um milímetro das tuas intenções iniciais, sobretudo essa de querer prestar um serviço à sociedade?

Tento não me desviar muito desse caminho. Mantenho a minha vida privada o mais privada possível, o mais independente do estado possível até porque eu não acredito na economia sustentada mas sim sustentável, só acredito nela com mercado e com iniciativa privada. Por mais incrível que pareça, os socialistas também fazem agora este discurso da economia de mercado. É por aí que o cidadão, o empresário consegue conquistar a sua liberdade que é uma coisa que prezo muito, enquanto empresário e político, nunca fui de me deixar amarrar às directivas de um partido e é óbvio que se tivesse uma grande ânsia de poder, em 95 quando aderi ao CDS-PP não o teria feito, teria esperado por um convite dum partido maior ou tinha-me posto em bicos de pés para conseguir um partido maior.

Entretanto interrompeste isso tudo...

Interrompi porque o processo político interno no partido decorreu duma forma que me foi adversa e eu como bom democrata deixei os outros trabalhar e dediquei-me mais às empresas e à minha família. Entretanto tive duas filhas e isso condicionou um pouco a minha participação na vida política.

O que é que faz com que as pessoas se desencantem da política, tanto algumas que se encontram ligadas ao aparelho político dos partidos como, sobretudo, o cidadão comum?

Acho que há aí um problema e é muito complicado de dizer quando se está a falar para um jornalista se bem que eu saiba para que jornalista eu estou a falar. Acho que a comunicação social tem aí um cota de responsa-bilidade porque durante muito tempo e ainda hoje é assim a comunicação social trata o lado negro da política, o lado da corrupção , o lado do indivíduo que está na política por interesse, mesmo que o interesse seja a do simples emprego, fala-se disso como se a política pudesse ser um emprego, a política nunca pode ser um emprego, é um local de passagem, é uma actividade que se desenvolve como se acabasse no dia seguinte. A forma como a comunicação social nos últimos quinze, vinte anos tratou os políticos faz com que muita gente válida, tenha vergonha, o termo é esse, tenha vergonha de participar na vida política activa

Queres dizer que os políticos não são culpados disso?

Também são culpados mas na minha perspectiva, os mais culpados são essas pessoas válidas que estão na chamada sociedade civil, é um termo com o qual não concordo mas que vou utilizar para que as pessoas percebam, se essas pessoas que são sérias do ponto de vista económico, do ponto de vista intelectual se envolves-sem na política e o fizessem nos par-tidos mais pequenos para dar a entender aos partidos grandes que se estão a borrifar para os cargos, provavelmente a política moralizar-se-ia e as pessoas começavam a acre-ditar mais e aí está recentemente o caso de Cavaco Silva a fazer uma birrinha de menino e a pôr a esquerda do seu lado (como se isso fosse possível, como se a esquerda se tivesse esquecido dos anos de cavaquismo) bem como o Santana e as santanetes e isso torna as pessoas descrentes; pensam : "afinal o PSD o que agora tem é as santanetes e o ministro do bom bom e no PP só tem dois ou três gajos meios taroucos porque os indivíduos bons afastaram-se da política". Eles é que têm culpa por a política estar na situação em que está, os partidos não se fazem com aqueles que estão cá fora a mandar palpites, fazem-se com quem participa e essa foi uma das razões porque voltei à política activa, porque vi que era preciso agitar as águas dentro do partido. Ainda em relação aos jorna-listas e nada tenho em relação ao jornalismo mais sensacionalista, tem a ver até com os jornais de referência. Abrimos as páginas dos jornais e lemos o empresário tal é corrupto, o político tal é ladrão, o jogador fulano de tal fugiu aos impostos; que raio! E os jornalistas são todos impolutos? Ainda não houve um jornal de referência que fizesse um trabalho sobre os jornalistas corruptos que os há, em Ponta Delgada, nos Açores, há jornalistas que vendem entrevistas, que fazem comércio de jornalismo e isso é mau e é preciso denunciar.

O que é que te ocorre dizer sobre o Fundo de Pesca?

Não concordo "em absoluto" com o Fundo de Pesca "Ao contrário duma direita mais radical, populista e dema-gógica eu nada tenho contra o Rendi-mento Social de Inserção, acho que é da mais elementar justiça numa sociedade que caminha claramente para níveis de desemprego muito grandes , não é culpa das pessoas, não é culpa dos políticos. É culpa da sociedade que caminha no sentido da mecanização, das novas tecnologias, da aldeia global e enquanto assim for eu até vejo isso como uma perspectiva boa da sociedade, vão trabalhar muito poucos e esses irão ter um rendimento superior, muitos outros vão poder ficar em casa a fazer aquilo que lhes apetece embora com rendimentos mais baixos e esses rendimentos têm de ser sustentados por alguém. Não vamos deixar metade da humanidade passar fome porque não há empregos. Se a outra metade consegue produzir tudo para nós vivermos é mais do que natural que aqueles que têm necessi-dade de trabalhar, paguem para outros que não têm qualquer hipótese de emprego viverem com um mínimo de dignidade e a esses é permitido fazer outras coisas que aos outros que estão a trabalhar não é. Eu não vejo isso como um bicho papão. No caso do Fundo de Pesca é muito mais grave porque há um sub-sector das pescas que vive dramaticamente com pro-blema de falta de mão de obra e anda a importar sistematicamente, desde os anos oitenta mão de obra da Madeira, de Vila do Conde, da Póvoa de Varzim e até de Espanha e doutros mercados. Não faz sentido no meu entender que se ande a pagar uma compensação por dias perdidos de pesca a um outro sub-sector que está super lotado de gente enquanto este outro sub sector tem falta de mão de obra. Fazia muito mais sentido pegar nessa gente e dizer-lhes: "nos meses de Dezembro a Abril não conseguem ir para o mar nos vossos barquinhos de boca aberta mas há lugar nas embarcações grandes. Porque é que não vão para lá?" Nós armadores da pesca dita costeira de barcos de mais de 22 mts temos muita dificuldade em encontrar pessoal para trabalhar.

Há também uma certa deserti-ficação favorecendo outros sec-tores como a construção civil

Esse é outro problema. Muitos deles estão inscritos como marítimos, vão à pesca quando o tempo está bom, faltam à obra e quando o tempo não está bom, apresentam-se na obra e como trabalhadores clandestinos a trabalhar em pequenas empreitadas e até para grandes empreiteiros que os sub-contratam como forma de pagar menos e porque está clandestino, não pode reclamar. Isso tem de ser fiscali-zado. A pesca dita industrial está a ser penalizada por esse tipo de interven-ção, primeiro, como já disse, porque lhe tira a mão de obra e depois porque nos dias em que está bom tempo somos altamente penalizados porque o peixe dessas embarcações de boca aberta é de melhor qualidade do que o nosso e porque eles conseguem trabalhar muito mais depressa do que nós, podem pescar muito mais pró-ximo, num instante vão ao mar e voltam e eu venho com um dia de navegação da zona de pesca nas Flores ou na Graciosa, chego cá e foram catorze ou quinze barcos ali ao lado com umas caixas de gorazes e entram no mercado. Eu não tenho nada contra isso, ainda bem que entram no mercado e que tenham o seu rendimento, até porque a qualidade dos barcos de boca aberta é que faz o nome dos Açores, não é o peixe das traineiras. Somos penaliza-dos quando está bom tempo e não recebemos compensação nenhuma por isso, nem há razão para receber. Mas também não há razão para eles receberem quando está mau tempo. Há uma questão social que tem de ser resolvida que é a distribuição do rendimento nos barcos de boca aberta. O total da pesca é dividido por todos cabendo um quinhão a cada um mas duma forma hierárquica, o que é injusto.

Como é que te envolveste no sector das pescas?


Teve a ver com a criação da asso-ciação de armadores de pesca do atum nos Açores. Eu na altura trabalhava no Banco Comercial dos Açores e estava muito envolvido com clientes que estavam ligados à pesca e surgiu dum convite do Engº Valdemar Oliveira para colocar a associação a funcionar. Na altura talvez de forma irresponsável dei um "pontapé" no BCA e dediquei-me à associação de armadores. Entretanto surgiram algumas hipóteses de fazer investimentos na área, com investi-dores nacionais e estrangeiros e eu atirei-me por terra dentro e hoje é isso que faço essencialmente: gerir uma frota de pesca, neste momento são três embarcações com possibilidades de vir a gerir uma quarta a breve prazo, com capital estrangeiro porque eu já não tenho capital nessas empresas, sou praticamente um administrador delegado do capital estrangeiro, embora as empresas tenham sede nos Açores, paguem os seus impostos na região, e reinvistam os seus lucros nos Açores

O que é que leva essa gente a investir nos Açores nessa área. É assim tão lucrativa?


Surgiu um interesse efectivo a partir de 1997, principalmente por parte dos espanhóis e franceses em investir nos Açores. Foi-lhes praticamente fechada a porta do ponto de vista de criarem empresas aqui e construirem barcos aqui e então o estratagema encontrado foi tentarem comprar empresas que se encontravam em situação financeira complicada nos Açores, injectar-lhes capital, procurar know-how nos Açores capaz de recuperar essas empresas e pô-las a funcionar. Foi por essa via que saí da associação e fui trabalhar para essas empresas e ainda bem que o fiz, não estou nada arrependido. Os espanhóis, principalmente os espanhóis, olhavam para os Açores como uma mina. Depois das experiências que cá tiveram perceberam que isto não era uma mina tão grande como julgavam, que é um erro em que a maior parte dos açorianos também incorre. Acham que estamos cheios de peixe e que isso nunca mais acaba. Mas não é verdade. Os nossos recursos são muito limitados. Alguns nem estão estudados nem explorados. Não me admira que dentro de breve se consiga lá chegar mas com muito empenho da Universidade dos Açores e dos armadores. Esse capital fez investi-mentos grandes aqui mas os investi-mentos não cresceram porque para alguns as coisas não correram muito bem. Nós neste momento temos duas embarcações cujo capital é inteira-mente espanhol mas as embarcações estão a trabalhar na Mauritânia porque aqui não há sequer lugar nos bancos para eles poderem trabalhar. Eu estranho quando ouço dizer que embarcações espanholas vêm clan-destinas tentar pescar aos Açores. As duas que cá estão são casos de sucesso mas há dezenas de outras que já vieram e que abandonaram porque não conseguem sequer recu-perara o investimento efectuado. Temos uma zona exclusiva muito grande mas reduzida a poucos bancos de pesca. Agora há recursos que ainda não foram estudados mas que sabe-mos empiricamente que existem e acho que é por aí que podemos salvaguardar toda a frota e o tecido empresarial no sector. Agora deve-se usar na exploração desses recursos artes de pesca que sejam selectivas e ecológicas. Temos de vender os Açores como um destino ambiental e ecológico onde se preserva o máximo a vida das pessoas e dos animais. Em todos os aspectos. O turismo tem de ser de ambiente, as pescas ecologi-camente controladas, a agricultura tem de ser de produtos de qualidade, porque não temos possibilidades de competir com mais nenhum mercado do mundo, nem apenas o europeu, nesses sectores, só pela excelência, pela qualidade e isso consegue-se no século XXI pela protecção ambiental.

O Governo promete um apoio significativo aos armadores da Região que queiram pescar fora das nossas águas. Queres comentar?

Acho que é mais uma tentativa à semelhança do que já se fez no passado. Tenho muita pena que o sr. sub-secretário das Pescas só agora chegue à conclusão de que é preciso fazer isso. Já em 1998 a frota do atum estava completamente falida e em situação muito complicada e houve armadores que fizeram contratos com várias empresas internacionais para irem trabalhar para o Gana, para a África do Sul, para Moçambique...o Governo Regional chegou a mandar uma missão a S. Tomé e não levou os armadores que tinham pedido autori-zação para ir . O armador acabou por ir às suas custas e recebeu lá o Governo. Isso não cabe na cabeça de ninguém. No início do ano 2000 eu estive no Gana a tentar pôr um barco que lá estava, a trabalhar para uma empresa norte - americana que está sediada nesse país. É sempre muito difícil arranjar tripulação e conseguir tra-balhar. Só com grande cooperação entre a EU e esses países. É possível na Mauritânia, no Gana, em S. Tomé embora aí não haja condições para a descarga e transporte. É mais fácil fazê-lo na África continental, em Angola por exemplo. Mas para isso temos de arranjar parceiros credíveis, que tenham capacidade financeira para comprarem o nosso pescado, fornecerem os combustíveis, tratarem das nossas embarcações e de toda a logística necessária à operação duma embarcação em condições de não ter de ficar parada à espera duma peça ou de combustíveis.O que se passou na última experiência é que foram barcos para Angola, receberam o gasóleo adiantado, chegaram lá não tiveram licença para trabalhar e regressaram porque o Governo pagou o gasóleo já que os armadores nem dinheiro para combustível tinham. E acho que vai acontecer o mesmo porque se vai trabalhar com as mesmas pessoas, o mesmo mercado, o mesmo destino. É preciso muito cuidado quando se escolhe os parceiros. Sendo nós uma Região pobre com armadores numa situação muito aflitiva temos de arranjar um parceiro forte que não esteja tão falido como nós.

Como cabeça de lista pelo CDS-PP à Assembleia da República quais são os pontos em que incidirá a tua campanha?

Tenho duas ou três questões que me parecem muito importantes de resolver. Uma é apostar na revisão do estatuto administrativo da Região, aquilo a que eu costumo chamar a nossa pequenina constituição, por forma a que ele satisfaça duma vez por todas, os anseios autonómicos dos Açores. Costumo dizer que faço parte da geração dos quartos autonomistas, daqueles que querem mais autonomia para os Açores, que não seja só no papel que seja também financeira porque se nós não vencermos o problema do nosso auto financiamento nunca seremos autónomos, seremos sempre aqueles que estão de mão estendida, é um pouco como o filho que trata mal o pai mas está sempre a pedir aumento da mesada. Essa revisão do estatuto que defina duma vez por todas o quadro de obrigações e deveres da República mas também de responsabilidades das regiões autónomas. E este quadro importantíssimo a revisão da lei de financia-mento das regiões autónomas, os níveis de capacidade de endivida-mento e de investimento e acima de tudo a possibilidade da Região mexer nas perspectivas dos impostos directa-mente pagos pelos açorianos. Ou seja, de nós podermos definir as nossas taxas de IRS, se é para subir, se é para baixar. Eu acredito que a redução dos impostos promove o consumo, promove o investimento.

Barata

Uma das outras questões que para mim é importante é o tratamento que se tem dado ao ambiente e isso é global, não é um problema dos Açores ou do continente, está-se a tratar a questão ambiental com muita levian-dade. E basta ler a cronologia climática no último século. Desde 1890 que se sabe do efeito de estufa, desde 1924 que se sabe do aquecimento global, desde 1970 que se conhecem quais são os gases e que actividade humana tem provocado esses problemas. Está provado cientificamente que o ar condicionado é produto de gazes que provocam o efeito de estufa mas desde 1974 para cá, massificou-se a utilização do ar condicionado. Há falta de consciência colectiva para as questões ambientais e acho que isso só se faz com formação.
Outra situação que é também extremamente importante para mim, e que eu friso embora não seja nova é a seguinte: nós temos sistematicamente eleito deputados do PSD e do PS para a República que já tiveram maiorias absolutas e maiorias relativas com acordos de incidência parlamentar ou seja, tiveram todas as condições parla-mentares para resolverem o problema e não o fizeram. Falo concretamente dos terrenos e imóveis propriedade do estado que estão na Região e que não estão a ser devidamente utilizados e que podiam estar a potenciar a nossa economia. E com isso tirar de cima do Estado o peso de financiar as regiões autónomas. Falo concretamente dos terrenos do aeroporto de Santa Maria que é uma estrutura esplêndida traçada de forma quadricular ao nível das cidades modernas, com zonas verdes lindíssimas mas totalmente abandonada que tem todas as condições para fazer crescer Vila do Porto do ponto de vista urbano.
Há, ainda falando de Santa Maria, a questão do Polígono de Acústica Submarina que tem condições excelentes para a construção duma unidade hoteleira. Construiram-se naquela ilha nos últimos anos duas unidades hoteleiras e o Polígono continua lá. A estação Loran que fica na costa norte de Santa Maria que daria uma zona turistica de grande quali-dade. Na ilha Terceira existe a célebre questão do hospital da Boa Nova. Há interesse da Câmara da Praia da Vitória em utilizar esse edifício para fins diversos e pelo que sei essa trans-ferência está dependente duma ques-tão jurídica. Trata-se de dar condições aos empresários da região para utilizarem património do Estado que tem potencialidade para se desenvolverem actividades privadas.

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