Wednesday, February 09, 2005

Notas do meu varandim - Doze ou apenas 1?

2005 aí está.
Como porém escrevo ainda em 2004 não quero deixar de tecer algumas considerações acerca de uma tradição.
É costume em muitos lados, e por estes também, fazer coincidir as 12 badaladas da meia-noite que separa os dois anos com a mastigação de 12 passas regadas com um bom vinho, enquanto se formulam 12 desejos.
Não sei se este número, um dos preferidos da cabalística, terá alguma coisa a ver com os 12 meses do ano, ou talvez mais poeticamente com os 12 trabalhos de Hércules, ou com outro doze qualquer que se me escapa, completamente.
Mas não quero entrar nessas filosofias.
Ensinaram-me, em tempos antigos que não devíamos ser demasiado ambiciosos e sempre que houvéssemos de pedir o fizéssemos calma e moderadamente. Este agora, logo outro e ainda um outro, mais tarde.
Não sei se esta teoria está certa, mas este ano, no fim de mais um ano só me apetece fazer um pedido.
Claro que sendo apenas um terá que ser suficientemente abrangente de modo a que quem o queira satisfazer, não tenha apenas os doze trabalhos de Hércules, mas mais, muito mais.

Queria simplesmente que a fome acabasse.

Agostinho da Silva, infelizmente muito esquecido entre nós, numa das suas muitas intervenções televisivas, recorda que a vida humana é regida por três ss: Sustento, Saber, Saúde.
E passando um pouco mais além o ilustre professor dizia que realmente o sustento é o principal. Sem ele nada existe, nada vale a pena.
Não resisto a contar uma pequena história, ouvida há muito e que diz o seguinte.
Numa gare de caminhos-de-ferro, estava um indivíduo que continuamente levava a mão à testa, a descia até ao estômago e seguidamente ao ombro direito e esquerdo.
Um passageiro, julgando-o muito religioso, pois parecia benzer-se continuamente, quando ele lhe pareceu mais ao alcance da voz, sem levantar suspeitas dirige-se-lhe e pergunta:
-Bom homem, deve ser muito religioso, pois se benze muito amiúde.
-Engana-se meu amigo. Eu penso, e apontou a testa, com esta, como hei-de alimentar este, e apontou o estômago, sem levantar esta nem esta. E exibiu ambas as mãos.
Naturalmente trata-se de uma historieta, como milhares de outras, mas bem elucidativa de como os populares sabem construir com sabedoria e graça as suas bases de vida.

Mas se sabemos construir filosofias de vida, com engenho e graça, muito dificilmente sabemos concretizar estas mesmas ideias na prática. E assim quando parece que o mundo avança, verificamos com espanto e indignação que afinal os avanços são poucos, e infelizmente para poucos.
Se aumenta pouco o número de ricos, os dos pobres não pára de crescer. Milhões de crianças morrem todos os dias à fome. É triste, que num mundo com comida suficiente para todos, uns estraguem e outros morram por não ter.

Por isso os meus 12 desejos se vão resumir apenas a um: que a fome acabe. Se esta acabar, a felicidade será muito mais fácil de alcançar. Mas já seriam dois pedidos, ou apenas um? E eu só queria fazer um pedido.
Porque não poderá ser satisfeito?

TEIXEIRA DIAS

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