Tuesday, April 26, 2005

Poeta J. Tavares de Melo:

"Um dia depois de eu morrer se ainda for recordado pela minha família, já fico satisfeito"

J. Tavares de Melo é um dos mais consistentes autores açorianos com uma obra lenta mas regular sobretudo na área da poesia. Aos cinquenta e um anos, a trabalhar no seu próximo livro, o poeta diz-se não ambicioso, faz poesia porque gosta.
Uma conversa no seu pouso preferido, a esplanada da Tabacaria Açoriana.


"Rosa que pica já traz o picão", socorre-se José Carlos Tavares de Melo, um micaelense autor de dez livros de poesia e "quilómetros e quilómetros de páginas na imprensa" dum ditado antigo para justificar a sua propensão para as artes, nomeadamente para a poesia. A justificação não lhe parecendo suficiente leva-o a evocar o ambiente da casa paterna como um lugar onde terá "chocado" a sua sensibilidade para as letras. Em casa respirava-se música e literatura. O pai, Eduardo Tavares de Melo, era um talentoso amador musical que na sua juventude tinha feito parte do orfeão universitário em Coimbra, onde escrevera algumas canções que fazem hoje parte do acervo da chamada canção coimbrã. Para além disso dedicava-se à crónica que publicava na imprensa local.
È pois natural que o jovem José Carlos desde os seus doze anos se tenha dedicado à escrita, acabando por ver impressa em letra de forma o primeiro trabalho aos quinze anos, nas páginas do velhinho Diário dos Açores. Do meu vôo a latitude em Junho de 1979 constitui a sua estreia na edição. Tinha "os meus vinte e cinco anos" e por essa altura pensou que ia ser alguém na literatura portuguesa. Hoje, aos cinquenta e um anos já não tem ilusões "se há coisas que não admitem meio termo, a poesia é uma delas. Ou se é muito bom, ou não." J Tavares de Melo nunca viu isso como uma ambição. Faz poesia porque gosta. Não tem uma meta a atingir. "Um dia depois de eu morrer se for recordado pela minha família, já fico satisfeito", ironiza a rir.
Aponta como temas recorrente da sua obra "a grande trilogia da vida – amor, vida e morte. Dentro do meu percurso vou andando à volta desses temas." Confessa que não é uma pessoa muito optimista e não coloca de parte a possibilidade de o estado depressivo estimular a criação poética. " a estabilidade não gera nada, mas andamos todos à procura dela. Com a estabilidade tudo perde o viço, perde a frescura. É um paradoxo mas é verdade. E acho que é nessa décalage que a gente produz."
O que o impele a continuar a produzir explica-o em poucas palavras: "Acho que o indivíduo que passa por este mundo tem o dever de deixar um pouco de si mesmo"
Sem querer ser "juíz de causa própria" Tavares de Melo quando revê a sua obra, acha que "tudo aquilo continua ainda hoje tão actual como era na época em que foi escrito. Hoje se fosse reescrever aquilo tudo, não faria melhor."
J Tavares de Melo concorda que o ambiente artístico-cultural na região é mais propício do que há vinte anos. "Hoje há muito mais gente a escrever, há livrarias, um livro é publicado lá fora no dia seguinte está cá, a internet" mas "continuamos a ser ilhas dentro das ilhas. A minha geração vai ser conhecida na nossa região mas não podemos ter a veleidade de querer chegar lá fora. Por melhor que seja, dificilmente chegará a Lisboa.
Nunca se publicou tanto como hoje mas há coisas que são publicadas por razões que não percebo. Conheço autores que não percebo porque são publicados. A Salamandra por exemplo, publicou muito, bastava ser açoriano."
Está a preparar o próximo livro. "No ano passado durante um ano fui escrevendo. As ideias fluiam. Agora vou pegar naquilo tudo, vou reler. E passar ao trabalho oficinal que é o mais chato."
Este livro é uma espécie de continuação de "Minúcias", a sua obra anterior. "Já não tenho paciência para cantar o sol, a lua, as estrelas, o basalto, aliás nunca tive...". Nos anos oitenta também passou pelo jornalismo. Criou por exemplo uma rubrica Retalhos de cordas de água com entrevistas a personalidades da vida açoriana, políticos, escritores, médicos que considera ter sido uma pedrada no charco. "As pessoas perguntavam-me porque é que eu não as recuperava quando eu quis recuperar aquilo já tinha passado muito tempo e já estavam fora do contexto”.











J. Tavares de Melo nasceu na Povoação em 1954-07-09. Viveu durante trinta anos na Ribeira Grande e reside em Ponta Delgada. Desde muito cedo que colabora em jornais, revistas e "suplementos literários" dos Açores e do Continente, nomeadamente em Coimbra, cidade onde viveu durante três anos.
É autor dos seguintes livros de poesia: Do meu voo a latitude - Livraria Mondis - Ribeira Grande - 1979; Ritual translúcido - Angra do Heroísmo - 1984;Saltimbanco - Ponta Delgada - 1986 - esgotado; Alcatruz da nora - Ponta Delgada - 1989; Mão inquieta ou a Indefinível inquietude - Ponta Delgada - 1991; Feitiço - Ponta Delgada - 1995; Seara do pólen (Antologia poética) - 1979/1991 - Angra do Heroísmo - 1996; Minúcias - Vila Franca do Campo - 2001. Está representado em: Carvalho, Ruy Galvão
Antologia Poética dos Açores (2.º volume) - Col. Gaivota n.º 41, Angra do Heroísmo - 1984; Pinto, Eduardo Bettencourt
Os nove rumores do mar, 3.ª edição; Antologia da poesia açoriana contemporânea - Instituto Camões - Lisboa - 2000; Zakreslovanie - do Mapy - Azory a ich básnici - Slovakia; Kalligram - Portugal, Múvészet, És, Gondolat 6 -2000- június, Bratislava, Slovakia.

Companheira da Revolução

No próximo número de "A Vila", uma entrevista com Gabriela Ataíde Mota que foi casada com Ernesto Melo Antunes, um capitão de Abril, considerado o ideólogo da revolução dos cravos.

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